terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Mitologia Grega - Medéia.



Entre o regozijo pela recuperação do Velocino de Ouro, Jasão achou que faltava alguma coisa: a presença de seu pai, Esão, impedido de participar das festividades por estar velho e enfermo. — Minha esposa — disse ele a Medéia —, poderiam tuas artes, cujo valor comprovei em meu proveito, prestar-me mais um serviço, tirando alguns anos de minha vida para acrescentar à vida de meu pai? — Isso não será feito a tal custo, mas, se minha arte ajudar-me, a vida de teu pai será aumentada, sem que se abrevie a tua — replicou Medéia. Na primeira noite de lua cheia, ela saiu sozinha, enquanto todas as criaturas dormiam. Nem o melhor sopro de vento agitava as folhagens, e tudo estava quieto. Ela dirigiu seus encantamentos à lua e às estrelas; a Hécate,1 a deusa do mundo dos mortos, e a Télus, deusa da terra, cujo poder é capaz de produzir as plantas eficazes para o encantamento. Invocou os deuses dos bosques e das cavernas, das montanhas e dos vales, dos lagos e dos rios, dos ventos e dos vapores. Enquanto falava, as estrelas brilhavam com mais intensidade e, de súbito, um carro desceu pelo espaço, puxado por serpentes voadoras. Medéia nele subiu e, elevando-se, viajou para regiões distantes, onde cresciam plantas eficazes, as quais sabia como escolher para o fim visado. Empregou nove noites nessa busca, e, durante esse tempo, não voltou ao interior de seu palácio, nem ficou sob qualquer teto e evitou todo contato com os mortais. Em seguida, ergueu dois altares, um para Hécate, outro para Hebe, a deusa da juventude, e sacrificou um carneiro negro, espalhando libações de leite e de vinho. Implorou a Plutão e sua raptada esposa que não se apressassem em tirar a vida do velho. Em seguida, fez com que Esão fosse trazido até junto dela e, tendo-o feito dormir profundamente com seus encantamentos, deixou-o estendido num leito de ervas, como um morto. Jasão e os outros foram mantidos afastados do local, a fim de que olhos de profanos não pudessem contemplar os mistérios. Depois, com os cabelos soltos, fez três vezes a volta dos altares, atirando ao sangue achas em chamas e deixou-as queimarem-se ali. Enquanto isso, colocava num caldeirão ervas mágicas, com sementes e flores de suco acre, pedras do longínquo Oriente e areia da praia do oceano que rodeia todas as terras; alva geada colhida ao luar, a cabeça e as asas de uma coruja e as entranhas de um lobo. Ajuntou fragmentos do casco de tartarugas e fígado de veado — animais vivedouros — e a cabeça e o bico de um corvo, que sobrevive nove gerações de homens. Tudo isso, com muitas outras coisas "sem nome", ela cozinhou, mexendo-as com um galho seco de oliveira. E, milagre!, quando retirado, o galho imediatamente tornou-se verde e, dentro em pouco, cobriu-se de folhas e de oliveiras novas. E, enquanto o líquido fervia e borbulhava, a relva, para onde, às vezes, escorria um pouco dele, adquiria um verdor semelhante ao da primavera. Vendo que tudo estava pronto, Medéia cortou o pescoço do velho, retirou todo o seu sangue, e despejou, pela boca e pelo ferimento, o conteúdo do caldeirão. Logo que esse conteúdo o embebeu completamente, os cabelos e a barba de Esão perderam sua brancura e retomaram o negrume da mocidade; a palidez e a magreza desapareceram; suas veias ficaram repletas de sangue e seus membros de vigor e robustez. O próprio Esão sente-se maravilhado, e lembra-se de que, tal como está agora, era em sua mocidade há quarenta anos. Nesse caso, Medéia usou suas artes para uma finalidade louvável, mas não em outra circunstância, em que as tornou instrumento da vingança. Pélias, como os leitores devem se lembrar, tio de Jasão, usurpara o trono. Devia, no entanto, ter algumas boas qualidades, pois suas filhas o amavam e, quando viram o que Medéia fizera por Esão, quiseram que fizesse o mesmo para seu pai. Medéia fingiu concordar e preparou o caldeirão, como antes. A seu pedido, foi trazido um velho carneiro e mergulhado no caldeirão. Dentro em pouco, ouviu-se um balido dentro da vasilha e, quando sua tampa foi levantada, saltou de dentro um cordeiro, que se pôs a correr pelo campo. As filhas de Pélias assistiram deleitadas à experiência e marcaram uma ocasião para seu pai ser submetido ao mesmo tratamento. Medéia, contudo, preparara para ele o caldeirão de modo diferente, colocando apenas água e algumas ervas comuns. De noite, ela, em companhia das irmãs, entrou no quarto do velho rei, que, juntamente com seus guardas, dormia profundamente, sob a influência de um encantamento da própria Medéia. As filhas ficaram junto do leito, com as armas desembainhadas, mas hesitando em usá-las, até que Medéia censurou sua irresolução. Então, virando o rosto, e desferindo punhaladas ao acaso, as jovens feriram o pai. Este, acordando de súbito, gritou: — Minhas filhas, o que estão fazendo? Ides matar vosso pai? As filhas perderam a coragem e atiraram fora suas armas, mas Medéia desferiu-lhe o golpe de misericórdia, fazendo calar Pélias. Em seguida, o velho foi colocado no caldeirão, e Medéia apressou-se em partir, em seu carro puxado por serpentes, antes que fosse descoberta sua traição, pois a vingança das filhas deveria ser terrível. Conseguiu fugir, mas pouco gozou dos frutos de seu crime. Jasão, por quem tanto ela fizera, repudiou-a, para casar-se com Crusa, princesa de Corinto. Furiosa com essa ingratidão, Medéia invocou os deuses, pedindo vingança, mandou um vestido envenenado à noiva como presente de casamento e, depois de ter matado os próprios filhos e incendiado o palácio, subiu ao carro puxado por serpentes e fugiu para Atenas, onde se casou com o Rei Egeu, pai de Teseu. Teremos de novo notícias dela, quando tratarmos das aventuras daquele herói.
Os encantamentos de Medéia farão o leitor recordar-se das feiticeiras de Macbeth. Os versos seguintes são os que parecem relembrar mais vivamente o velho modelo:

Em torno ao caldeirão rodai, rodai,
Peçonhentas entranhas atirai.
Uma posta de carne de serpente
Fervei, cozei, no caldeirão bem quente.
Olho de salamandra e pé de sapo,
Língua de cão e pêlo de morcego,
Dente de cobra venenosa e suja,
Pé de lagarto e asa de coruja.


MACBETH Ato IV Cena I

E ainda:

Macbeth — Que fazeis?
Feiticeiras — Ação que não tem nome.


Há ainda outra versão sobre Medéia, revoltante demais mesmo para se referir a uma feiticeira, classe de gente a quem os poetas, tanto antigos como modernos, acostumaram-se a atribuir a maior malvadez. Em sua fuga da Cólquida, ela havia levado consigo seu jovem irmão Absirto. Ao perceber que os navios de Etes que perseguiam os argonautas os estavam quase alcançando, Medéia mandou esquartejar o irmão e atirar seus membros ao mar. Etes, ao chegar ao local, encontrou os dolorosos restos do filho assassinado; mas, enquanto parava para recolhê-los e dar-lhes um destino honroso, os argonautas puderam escapar.

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