quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Mitologia Grega - Prosérpina.



Depois de Júpiter e seus irmãos terem derrotado os titãs e os expulsado para o Tártaro, um novo inimigo ergueu-se contra os deuses. Eram os gigantes Tífon, Briareu, Encélado e outros. Alguns deles tinham cem braços, outros respiravam fogo. Afinal, foram vencidos e enterrados vivos no Monte Etna, onde alguns continuam a lutar para se libertar, sacudindo toda a ilha com os terremotos. Sua respiração sai através da montanha e é o que os homens chamam de erupção vulcânica. A queda desses monstros abalou a terra, o que alarmou Plutão, receoso de que seu reino pudesse ser aberto à luz do sol. Presa dessa apreensão, ele entrou em seu carro, puxado por cavalos negros, e viajou pela terra, para verificar a extensão dos danos. Enquanto se achava empenhado nesse mister, Vênus, que estava sentada no Monte Erix, brincando com seu filho Cupido, olhou-o e disse: — Meu filho, toma tuas setas, com que vences todos, mesmo Jove, e crava uma delas no peito daquele sombrio monarca, que governa o reino do Tártaro. Por que deverá ele sozinho escapar? Aproveitar a oportunidade de ampliar o teu e o meu domínio. Não vês que mesmo no céu alguns desprezam nosso poder? Minerva, a sábia, e Diana, a caçadora, desafiamo-nos; e ali está a filha de Ceres, que ameaça seguir seu exemplo.

Agora, se tens qualquer consideração por teus próprios interesses e pelos meus, junta aquelas duas pessoas em uma só. O menino abriu a aljava e escolheu a mais aguda e fiel seta; depois, firmando o arco no joelho, distendeu a corda e desfechou a seta de ponta aguda bem no coração de Plutão. Há, no vale de Ena, um lago escondido no bosque, que o protege contra os ardentes raios do sol; o terreno úmido é coberto de flores, e a Primavera reina ali perpetuamente. Prosérpina lá se encontrava, brincando com suas companheiras, colhendo lírios e violetas, e enchendo com as flores seu cesto e seu avental, quando Plutão a viu, apaixonou-se por ela e raptou-a. Ela gritou, pedindo ajuda à mãe e às companheiras; e quando, apavorada, largou os cantos do avental e deixou cair as flores, sentiu, infantilmente, sua perda como um acréscimo ao seu sofrimento. O raptor excitou os cavalos, chamando-os cada um por seu nome e soltando sobre suas cabeças e pescoços as rédeas cor-de-ferro. Quando chegou ao Rio Cíano, e este se opôs à sua passagem, Plutão feriu a margem do rio com seu tridente, a terra abriu-se e deu-lhe passagem para o Tártaro. Ceres procurou a filha por todo o mundo. Aurora, dos louros cabelos, ao sair pela manhã, e Hespéria, ao trazer as estrelas ao anoitecer, ainda a encontraram ocupada na procura. Tudo foi em vão, porém. Afinal, cansada e triste, ela se sentou numa pedra e ali continuou sentada, durante nove dias e nove noites, ao ar livre, à luz do sol e ao luar, e sob a chuva. Era onde ora se ergue a cidade de Elêusis, então morada de um velho chamado Celeus. Ele estava no campo, colhendo bolotas e amoras silvestres e gravetos para alimentar o fogo. Sua filhinha conduzia para casa duas cabras e, ao aproximar-se da deusa, que aparecia sob o disfarce de uma velha, disse-lhe: — Mãe (e o nome foi suave aos ouvidos de Ceres) por que está sentada aí nessa rocha? O velho também parou, embora sua carga fosse pesada, e convidou Ceres a entrar em sua cabana. Ela recusou e ele insistiu. — Vai em paz — respondeu a deusa — e sê feliz em companhia de tua filha. Eu perdi a minha.

Ao falar, lágrimas — ou algo como lágrimas, pois os deuses não choram — escorreram-lhe pelo peito. O compassivo velho e a criança choraram com ela. Afinal, disse Celeus: — Vem conosco e não desprezes nosso teto humilde. Talvez tua filha te seja devolvida sã e salva. — Vamos — disse Ceres —, não posso resistir a tal apelo! Levantou-se da pedra e seguiu com os dois. Enquanto caminhavam, Celeus contou que seu único filho, um menino, estava doente, febril e sem sono. Ceres parou e colheu algumas papoulas. Ao entrarem na cabana, encontraram todos muito tristes, pois o estado do menino parecia desesperador. Metanira, sua mãe, recebeu atenciosamente a visitante, e a deusa, debruçando-se, beijou os lábios da criança enferma. Instantaneamente, a palidez abandonou-lhe o rosto e o vigor da saúde voltou-lhe ao corpo. Toda a família ficou deleitada — isto é, o pai, a mãe e a menina, pois não tinham criados. Puseram a mesa, e serviram coalhada e creme, maçãs e mel. Enquanto comiam, Ceres misturou caldo de papoula no leite que o menino estava tomando. Quando veio a noite e tudo estava quieto, ela levantou-se e, pegando o menino adormecido, passou-lhe as mãos pelos lábios e murmurou três vezes palavras de encantamento, depois foi colocá-lo nas cinzas. A mãe do menino, que estava observando o que a hóspede fazia, levantou-se, com um grito, e tirou a criança do fogo. Então Ceres assumiu sua própria forma e um divino esplendor espalhou-se em torno. Diante do assombro de todos, disse: — Mãe, foste cruel no amor ao teu filho. Eu ia torná-lo imortal, mas frustraste meus esforços. Não obstante, ele será grande e útil. Ensinará aos homens o uso do arado e as recompensas que o trabalho pode obter do solo cultivado. Assim dizendo, envolveu-se numa nuvem e, tomando seu carro, afastou-se. Ceres continuou a procurar a filha, passando de terra em terra, e atravessando mares e rios, até voltar à Sicília, de onde partira, e ficou de pé à margem do Rio Ciano, onde Plutão abrira uma passagem para os seus domínios. A ninfa do rio teria contado à deusa tudo que testemunhara, se não fosse o medo de Plutão; assim, apenas se aventurou a pegar a guirlanda que Prosérpina deixara cair em sua fuga e fazê-la descer pela correnteza do rio, até junto da deusa. Vendo-a, Ceres não teve mais dúvida sobre a perda da filha, mas ainda não conhecia a causa e lançou a culpa sobre a terra inocente. — Ingrato solo, que tornei fértil e cobri de ervas e grãos nutritivos, não mais gozarás de meus favores! — exclamou. Então, o gado morreu, o arado quebrou-se no sulco, as sementes não germinaram. Houve sol e chuva em demasia. As aves roubaram as sementes. Somente medravam os cardos e sarças. Ao ver isto, a fonte Aretusa intercedeu pela terra: — Não culpes a terra, deusa — exclamou. — Ela se abriu de má vontade para dar passagem à tua filha. Posso contar-te qual foi o seu destino, pois a vi. Esta não é minha terra natal; venho de Elis. Era uma ninfa dos bosques e comprazia-me na caça. Exaltavam minha beleza, mas eu não cuidava disso, e antes me vangloriava de minhas proezas venatórias. Certo dia, estava voltando do bosque, aquecida pelo exercício, quando vi um regato que corria sem ruído, tão claro que podiam contar-se as pedrinhas do fundo. Os salgueiros o sombreavam e as margens, cobertas de relva, desciam até à água, numa rampa suave. Aproximei-me, toquei a água com o pé. Entrei até ficar com água pelo joelho e, não contente com isto, deixei minhas vestes nos salgueiros e entrei no rio. Enquanto lá estava, ouvi um murmúrio indistinto, vindo do fundo do rio, e apressei-me em fugir para a margem mais próxima. — Por que foges, Aretusa? — disse a voz. — Sou Alfeu, o deus deste rio. Fugi e ele me perseguiu. Não era mais rápido do que eu, mas era mais forte, e alcançou-me, quando minhas forças fraquejaram. Afinal, exausta, gritei pedindo a ajuda de Diana: — Ajuda-me, deusa! Ajuda tua devota! A deusa ouviu-me e envolveu-me logo em espessa nuvem. O rio-deus procurou-me, ora aqui, ora ali, e duas vezes aproximou-se de mim, mas não conseguiu encontrar-me. — Aretusa! Aretusa! — gritava. Oh, como eu tremia! Como o cordeirinho, que ouve o lobo uivando fora do redil. Um suor frio cobriu-me, meus cabelos caíram como correntes de água e onde estavam meus pés formou-se uma lagoa. Em resumo: em menos tempo do que levo para contar, tornei-me uma fonte. Mas ainda sob essa forma, Alfeu reconheceu-me e tentou misturar sua corrente com a minha. Diana abriu o solo e eu, tentando escapar à perseguição, mergulhei na caverna e, através das entranhas da terra, cheguei aqui à Sicília. Ao passar pelas camadas inferiores da terra, vi sua Prosérpina. Ela estava triste, mas já não refletia susto na fisionomia. Seu aspecto era o de uma rainha: a rainha do Érebo; a poderosa esposa do monarca do reino dos mortos. Ao ouvir isto, Ceres ficou perplexa durante um momento, depois virou o seu carro para o céu e correu a apresentar-se diante do trono de Jove. Contou a história de sua aflição e implorou a Júpiter que intercedesse, para conseguir a restituição de sua filha. Júpiter consentiu, com uma condição: a de que Prosérpina não tivesse tomado qualquer alimento, durante sua permanência no mundo inferior; de outro modo, as Parcas proibiam a sua libertação. E, assim, Mercúrio foi mandado, acompanhado de Primavera, para pedir Prosérpina a Plutão. O ardiloso monarca consentiu, mas, infelizmente, a donzela aceitara uma romã que Plutão lhe oferecera e sugara o doce suco de algumas sementes. Isso foi suficiente para impedir sua libertação completa. Fez-se um acordo, contudo, pelo qual Prosérpina passaria metade do tempo com sua mãe e o resto com seu marido Plutão.

Ceres deu-se por satisfeita com esse arranjo e restituiu à terra seus favores. Lembrou-se, então, de Celeus e de sua família, e da promessa feita ao menino Triptólemo. Quando o menino cresceu, ensinou-lhe o uso do arado e como semear. Levou-o em seu carro, puxado por dragões alados, a todos os países da terra, aquinhoando a humanidade com cereais valiosos e com o conhecimento da agricultura. Depois de seu regresso, Celeus construiu em Elêusis um magnífico templo dedicado a Ceres e estabeleceu o culto da deusa, sob o nome de mistérios de Elêusis, que, no esplendor e solenidade de sua observância, ultrapassavam todas as demais celebrações religiosas entre os gregos. Não pode haver dúvida de que esta história de Ceres e Prosérpina é uma alegoria. Prosérpina representa a semente do trigo, que, quando enterrada no chão, ali fica escondida, isto é, levada pelo deus do mundo subterrâneo. Depois reaparece, isto é, Prosérpina é restituída a sua mãe. A primavera a faz voltar à luz do dia. Milton faz referência ao episódio de Prosérpina, no Livro IV do Paraíso Perdido:

Não era, não, de Ena o lindo campo
Onde colhendo flores, Prosérpina,
Ela mesma uma flor, pelo sombrio
Deus do reino dos mortos foi roubada,
O que custou a Ceres tantas penas.


Hood, em sua "Ode à Melancolia", recorre à mesma alusão, de maneira muito feliz:

Perdoa, se com a dor futura, esqueço
A presente ilusão,
Como perdeu as flores Prosérpina
A vista de Plutão.


O Rio Alfeu de fato desaparece embaixo da terra, durante uma parte de seu curso; correndo por canais subterrâneos, até voltar à superfície de novo.

Dizia-se que a fonte siliciana de Aretusa era proveniente da mesma corrente, que, após atravessar o mar, ressurgia na Sicília. Daí a lenda de que uma taça atirada no Alfeu aparecia em Aretusa. É a essa fábula do curso subterrâneo do Alfeu que Coleridge alude em seu poema "Kubla Khan":

Soberba, Kubla Khan em Xanadu ergueu
Imponente mansão
Onde corre, sereno, o Rio Sacro Alfeu
Que sob o próprio mar, em grutas se escondeu,
Bem no fundo do chão.


Em um de seus poemas juvenis, Moore assim se refere ao mesmo fato, e ao hábito de atirar guirlandas e outros objetos leves às águas do rio, para serem levados pela corrente e reaparecerem depois:

Que divina alegria, minha amada,
A das almas irmãs quando se encontram,
Como o rio sagrado cuja água
Corre através de grutas subterrâneas,
Carregando guirlandas e coroas
Pelas virgens olímpicas lançadas
Como tributo à ninfa de Aretusa.
Que alegria, que júbilo seria
O seu, de se encontrar com a fonte amada!

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